Esgotados e conectados: o sossego saiu do grupo!
- Bianca Bonassi
- 21 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Por nossa parceira oficial: Carmem Giongo
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Sai do grupo.
O fato é que estamos todos utilizando o WhatsApp em tempo integral. É claro que devemos reconhecer as melhorias na comunicação, a agilidade, a produtividade, o rápido acesso as pessoas (ainda mais em meio a uma pandemia). Será? A tese que defendo é que o uso da tecnologia sem os devidos limites reduz a produtividade e, mais, pode prejudicar seriamente a nossa saúde no trabalho. Antes que você pense em acessar outra página, responda rapidinho: você já recebeu um alerta do grupo de trabalho em pleno sábado de manhã? Uma dúvida de um colega às vinte e três horas de uma sexta-feira? Uma demanda do seu gestor ou gestora no feriado? Já passou poucas horas sem usar o celular e quando se deu conta acumularam-se dezenas de mensagens? Parece que, de um jeito ou de outro, acabamos todos caindo nessa cilada.
Primeiro é importante entender que, do ponto de vista psíquico, só o fato de ser estimulado a pensar nas atividades laborais no horário de folga já é trabalho. Pensa comigo: se você é uma daquelas pessoas que antes de dormir ou ao acordar dá uma conferida no WhatsApp, significa que, possivelmente, acessará e resolverá assuntos relacionados ao trabalho nestes momentos também. Às vezes não nos damos conta, mas entramos em uma reunião deitados na cama, no meio de um filme, durante o almoço, no banheiro ou enquanto brincamos com os nossos filhos. E mesmo que você decida ignorar ou não responder, já existe um esforço ou uma preocupação nesta tarefa: e se for algo importante e eu estiver deixando de ver? Além do mais, cá entre nós, a gente bem sabe que aquela mensagem do grupo de trabalho costuma render outra conversa ou leva a abrir um link – e já que abriu um link, por que não acessar o e-mail e organizar as coisas para a semana?
Está mais do que comprovado que precisamos de períodos de descanso e de desconexão total das nossas atividades laborais. Do ponto de vista da saúde do trabalhador, esses momentos precisam ser de qualidade para que possamos recuperar o nosso corpo e a nossa mente. Sem isso podemos nos sobrecarregar e vivenciar sinais e até mesmo doenças relacionadas à exaustão. A limitação da jornada de trabalho e o estabelecimento de intervalos obrigatórios possuem esse papel e são garantidos por lei, afinal, o direito ao descanso é uma questão de saúde. Na prática, quando acessamos conteúdos de trabalho em horários de folga estamos extrapolando a jornada de trabalho contratada pela empresa. Legalmente existe, inclusive, a possibilidade de remunerar os trabalhadores que ficam de “sobreaviso”. Nesse processo o trabalhador permanece em casa e pode ser acionado para o trabalho. Mesmo para o “sobreaviso” existe regulamentação. Será que os recursos tecnológicos estão naturalizando o sobreaviso? Estaríamos todos em situação de sobreaviso vinte e quatro horas? Como esta sobrecarga se potencializou no contexto da pandemia? Será que a tecnologia contribuiu para a dissolução dos limites entre a vida dentro e fora do trabalho?
É claro que não devemos demonizar o WhatsApp ou as redes sociais, afinal, o problema é o modo com que lidamos com a tecnologia, é o modo com que as organizações do trabalho utilizam estas ferramentas como instrumentos de controle, de estímulo excessivo a produtividade ou até mesmo de vigilância. O problema é que vivemos em uma sociedade acelerada, que exige conexão em tempo integral, que estimula a competitividade e a autonomia a qualquer preço. Nesse jogo, o WhatsApp e as redes sociais costumam ser apresentadas muito mais como solução do que como risco a saúde – precisamos com urgência encará-las como fator de risco laboral.
Parece que em algum momento achamos que, ao agilizar as demandas de trabalho e acelerar o fluxo de comunicação encontraríamos, ao final, mais tempo livre. No entanto, descobrimos que ao final destas demandas existe apenas mais trabalho. Nessa engrenagem fizemos com que todos trabalhem de maneira acelerada, em um ritmo cada vez mais intenso. Nos tornamos escravos das soluções tecnológicas que supostamente deveriam nos salvar. Esgotados e conectados.
Opa, notificação de mensagem do grupo da família. Já volto.
(*) Psicóloga, especialista em Psicologia Organizacional, mestre em Psicologia, doutora e pós doutora em Psicologia Social e Institucional, pós doutora em Antropologia.
Texto publicado originalmente no site: https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2020/06/esgotados-e-conectados-o-sossego-saiu-do-grupo-por-carmem-giongo/
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